segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Limites à ditadura do Photoshop

Fonte: Rosário G. Gómez
El País


As técnicas de retoque de fotografia já são aplicadas sem limites aos famosos e políticos - a França e o Reino Unido debatem se é preciso avisar quando a imagem é manipulada em cartazes ou reportagens


No final dos anos 80, o jornal "Pravda" adquiriu o costume de retocar as fotos de Mikhail Gorbachev para eliminar uma mancha de nascimento que o então presidente da URSS tinha na cabeça. Duas décadas depois, a revista "Paris Match" fez desaparecer os pneuzinhos do presidente francês Nicolas Sarkozy, fotografado em traje de banho durante suas férias. Este tipo de "lifting" ou lipoaspirações virtuais, realizados com simples programas de computador como o famoso Photoshop, passarão a ser regulamentados se for aprovada a proposta lançada na semana passada pela deputada francesa Valérie Boyer, que pertence ao mesmo partido que Sarkozy. Modificar a imagem de um político, ou de uma modelo, não será ilegal, mas os cidadãos terão direito de sabê-lo. A iniciativa que os parlamentares franceses estão discutindo defende que seja obrigatório avisar sobre a utilização do Photoshop. Desse modo, as imagens tratadas deveriam ser acompanhadas pelo seguinte aviso: "Fotografia retocada para modificar a aparência física de uma pessoa".


Assim a França segue os passos do Reino Unido, um dos primeiros países a alertar sobre os nocivos efeitos que a manipulação dos rostos pode ter sobre o público. E especialmente entre os menores. De forma que os parlamentares britânicos aplaudiram a ideia de proibir os retoques nos anúncios protagonizados por menores de 16 anos. A norma francesa - cuja infração acarretará uma multa de 37.500 euros - não é dirigida apenas às campanhas publicitárias. Ela abarca também as fotografias da imprensa, as fotos artísticas e inclusive os cartazes dos políticos que cobrem os muros durante as campanhas eleitorais. Que credibilidade pode ter um político cuja imagem não se ajusta à realidade? Pergunta-se a diretora de uma revista do grupo de comunicação Hachette Filipacchi (editora de publicações como a "Paris Match", "Elle", "Quo", "Fotogramas" e "Diez Minutos"). A classe política caiu em alguns excessos que beiram o ridículo. A candidata socialista Ségoléne Royal apareceu num cartaz eleitoral tão rejuvenescida que os franceses se perguntaram se ela tinha idade suficiente para ser candidata à presidência do país.


Exemplos como este revelam que a política tornou suas as armas utilizadas pela moda. A questão é se ambas as esferas podem ser regidas pelas mesmas normas. Para Gonzalo Sánchez-Taíz, diretor-geral da agência McCann Erickson, "no fim das contas, o que está sendo vendido é um produto político e é legítimo que os candidatos tratem de obter sua melhor imagem". Por isso ele considera lógico que se retoquem as fotos e acharia igualmente legítimo que elas fossem acompanhadas de uma legenda - "em letras pequenas" - advertindo que foram retocadas. Não obstante, ele sustenta que o uso do Photoshop nesse tipo de propaganda pode ter efeitos negativos para quem o utiliza. "Tudo bem um retoque leve, mas se for muito evidente, pode ser muito contraproducente". Uma modificação mínima pode se transformar numa manipulação grosseira. O jornal francês "Le Figaro" se viu em meio a um grande escândalo no ano passado quando publicou na primeira página uma fotografia da então ministra da Justiça Rachida Dati na qual um chamativo anel havia sido apagado. Na foto original - publicada pelo semanário "L'Express" - Dati exibia uma joia de ouro com diamantes desenhada pela casa Chaumet. O anel, batizado de Liens (Laços), era cotado em mais de 15 mil euros.


"Manipular a imagem de uma pessoa é falsear a verdade. É adulterar a informação. A informação é adulterada tanto quando se falseia uma foto quanto um texto", disse categórica a mesma jornalista do grupo Hachette. "É como se uma pessoa que não falasse corretamente tivesse suas declarações modificadas para que se parecessem com o discurso de uma acadêmico". As concessões que ela faz ao Photoshop são ínfimas: "Pode servir para tirar uma mancha na roupa. Mas varrer o rosto de uma pessoa para que ela pareça 15 anos mais jovem é deformar a verdade".

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