domingo, 16 de agosto de 2009

Emidio Luisi define a fotografia com uma frase de José Medeiros.




Emidio Luisi, 55, natural de Sacco no sul da Itália, chegou ao Brasil com sete anos,no pós Segunda Guerra Mundial. Há 15 anos, o fotógrafo vem pesquisando a história da imigração italiana na capital. Neste período, muitas de suas descobertas coincidiram com associações pessoais numa espécie de auto-análise, desencadeada pelas pesquisas realizadas para o projeto.
Em 2000, o fotógrafo faz o relançamento do livro Ue' Paesà - que foi editado pela primeira vez em 1997, nas Faculdades Oswaldo Cruz. Além deste trabalho, que resgata a história da imigração italiana na capital, Emídio,lança seu olhar para o teatro e a dança.

Como começou o seu profissionalismo como fotógrafo e o que o teatro e a dança têm a ver com esse processo?

Emidio- O início da minha profissionalização como fotógrafo começou via teatro e dança. As primeiras imagens que eu fiz foram de um espetáculo no Teatro Ruth Escobar, no final de 69, início de 70. Neste período eu me formei e tive que optar entre a fotografia e a matemática. A fotografia foi
mais forte. Em 75, eu fiz um curso no Senac. Tomei o ônibus para ir a aula, com a máquina a tiracolo. No caminho uma imensa adutora se rompeu e a água subiu na altura de um poste. Comecei a registrar tudo. Eu brinco que foi um estouro que me fez enxergar que minha história era com a fotografia.
Cheguei na escola falei com o professor, revelamos o filme e eu levei o material para o Jornal da Tarde, que ficava na rua Major Quedinho. No dia seguinte, eles tinham dado uma página com a minha foto. Foi também quando eu comecei a entrar na área de fotojornalismo.


Por que seus trabalhos são em preto-e-branco?

Emidio- Gosto pessoal. A vida é colorida, mas a realidade é em preto-e-branco. A passagem entre o claro e o escuro é mais evidente e contundente no P&B. E eu acho que ele tem esta magia. Mas, há determinados trabalhos que são importantes serem feitos em cor. Quando se aborda gente, principalmente acho que o preto-e-branco dá este clima. Pode-se ir muito rapidamente para a ausência e soma de luz.


Como começou a se envolver com o projeto de etnofotografia que documentou a imigração italiana em São Paulo?

Emidio- No início de 80, fiz um curso no Museu da Imagem e do Som (MIS), com o arquiteto e fotógrafo italiano Sandro Spini. A idéia era que ele coordenasse um projeto para introduzir a questão da metodologia de
documentação fotográfica. A pesquisa de campo durou cerca de um mês. Pela afinidade e por falar italiano fiquei muito amigo do Sandro, que me convidou para ser seu assistente. Finalizada a pesquisa, ele voltou para a Itália e eu fiquei encarrregado de coordenar a pós-produção do projeto. Recolhi o material, editei e mandei de volta. E quando chegou lá ele transformou o trabalho num livro e numa exposição. Naquela época, coincidentemente, a Fujiestava saindo de seu espaço no Bixiga e procurava uma exposição para homenagear o bairro. Eu, por minha vez, procurava um lugar para a mostra.
Foi um casamento perfeito, porque um dos princípios básicos da etnofotografia é dar um retorno, pelo menos fotográfico, do que foi pesquisado à população e a primeira exposição tem que ser feita no espaço onde está a comunidade como uma forma mínima de retribuição. Depois, pode-se percorrer outros locais como aconteceu com a mostra, que foi para o MIS. Até este momento, eu não havia me aprofundado na questão de o que é ser imigrante.


Por que você diz que começou a entender o Brasil quando voltou para Itália em 1988?

Emidio- Porque a influência da cultura italiana no jeito de pronunciar as palavras, na maneira de ser dos paulistas, é muito forte. Porque este processo imigratório aqui de São Paulo é diferente dos italianos que foram para o sul do Brasil. No Rio do Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, as pessoas se fixaram no campo e lá ficaram.


O que aconteceu em São Paulo é o que a novela Terra Nostra mostrou e que você antecipou no livro?

Emidio- Exatamente. As famílias chegavam na hospedaria dos imigrantes. Eram arrebanhadas e levadas para as fazendas de café, e depois houve o fenômeno
do êxodo, quando muita gente se fixou na cidade de São Paulo. E mais tarde saíram das cidades e voltaram para o campo por causa da queda do preço do café na bolsa. Em 97, eram 23 milhões de italianos entre natos e
descendentes. Hoje já são 25 milhões. É um público muito grande. Tanto que o jornal O Estado de S.Paulo está lançando uma parceria com o Corriere Della
Sera.


Em que área a influência italiana é mais marcante?

Emidio- Nestes 15 anos de trabalho pude observar que, principalmente, na cultura, especialmente na arquitetura quando eram importados os mestres de obra para ajudar na construção das mansões dos barões do café erguidas na Avenida Paulista. E depois nos bairros mais próximos como o Bixiga onde os imigrantes construíram suas casas. E na arte esta influência também é forte.
No começo do século, o bairro do Brás chegou a ter quase 90 teatros. E vários cinemas. Tudo girava em torno da colônia. O movimento sindical nasceu no Brás e na Moóca. Os anarquistas nasceram lá. Por causa das fábricas e das indústrias que se concentravam no local, especialmente as da família Matarazzo.


Você tem idéia de quantas fotos foram feitas para este projeto? As imagens foram feitas apenas em São Paulo e na Itália?

Emidio- Em 15 anos, uma média de 500 filmes, com 36 poses, resulta em aproximadamente 10 mil imagens. Eu me fixei somente na capital. Não quis pegar o fenômeno migratório no Estado. Fechei o cerco em torno dos bairros paulistanos e das cidadezinhas italianas de Sacco e Roscigno.


Na sua opinião qual é a relação que o italiano tem com a fotografia?

Emidio-É uma relação muito forte. E para te explicar vou te contar a minha história. Porque como disse esse trabalho passou a ser a minha psicanálise.
Quando fui tentar entender de onde vinha a minha história com a fotografia descobri que a brincadeira começou, quando pedi de presente para uma tia-avó
da Itália uma câmera fotográfica. Isso na década de 50 para 60. Nunca esqueço que depois esta máquina passou a ter uma versão no Brasil chamada Rio Kodak 400, uma câmera pequena com flash imbutido e que me roubaram
tempos mais tarde. A fotografia, principalmente para o imigrante, passou a ser um cartão de visitas que dizia como se estava aqui no Brasil. Fotos das famílias na praia, por exemplo, mostravam um certo status. Também era muito comum mandar a foto do casamento para os parentes na Itália e retratos da família toda, com as crianças arrumadinhas. A foto passou a ser um documento da presença viva do que na realidade é ficção. Isso é muito forte no italiano, porque também tem a questão da nostalgia, da união da família. Os
almoços de domingo são excelentes representações disso.


E sua agência, a Fotograma, quando surgiu?

Emidio-Em 85. Eu já queria uma independência, trabalhar com projetos. De
lá para cá o perfil das agências mudou bastante. Nos últimos 10 anos, a prestação de serviço caiu muito. Com o tempo, o custo de convocar um fotógrafo para cobrir pautas não compensava, porque a gente competia com uma equipe. Conseguir uma imagem melhor ficava difícil. As agências mudaram a estrutura e agora tentam alavancar fotos do banco de imagens. Nós passamos a ter uma parceria com a Japack, que é um banco de imagens do Japão, com muitos trabalhos voltados também para a área de publicidade. Nós também
temos um banco de imagens de fotógrafos brasileiros para atender o mercado.


Esta é uma tendência no seu trabalho?

Emídio- Com os projetos, me reciclo e dou oportunidades para uma nova safra de fotógrafos entrarem no mercado. E o que eu observo é que o nível da qualidade dos trabalhos dos fotógrafos tem aumentado muito. Também sinto que hoje a Fotograma passou a ser uma referência nesta área de projetos, com retorno para o patrocinador. Porque não adianta o fotógrafo só ter idéias se ele não encontra um patrocinador sensível. Nossos projetos não têm nenhum tipo de restrição. O objetivo é encontrar novos olhares, e novas formas de ver a fotografia como um processo criativo. O critério é um só: a qualidade.O fotógrafo pode ter seis meses de fotografia como pode ter 30 anos.


Como você divide seu trabalho?

Emídio-Em três patamares: o pé no chão, com os imigrantes; o teatro e a dança, o intermediário entre a ficção e a realidade; e as Musas Inquietantes, a fantasia total. A gente tem que ter o pé no chão, a cabeça no céu e o corpo flutuando. Também não posso deixar de falar do fotojornalismo e dos projetos didáticos, com os workshops da Fotograma.

Durante este tempo de carreira como foi a evolução da sua técnica?

Emidio- Qualquer coisa em termos artísticos tem que ter uma dosagem equilibrada entre a técnica e a criatividade. Não adianta ser muito criativoe não conseguir resolver a história tecnicamente. O conhecimento técnico é
muito importante para dar subsídios para sua criação. Não gosto do fotógrafo muito técnico e nem do muito criativo, que não sabe resolver tecnicamente. É
como o bailarino que dança jazz e acha que é o melhor do mundo. Bobagem. Ele precisa ter uma base clássica para entender todos os movimentos do corpo e
depois poder usar novas tendências dentro da dança. Dentro da fotografia a gente sente muito isso com o digital. É apenas um novo suporte. Não tinha o
vidro, o betume, o acetato? Hoje tem o digital,


Qual é a sua opinião a respeito da Era Digital?

Emidio- Um processo tecnológico que vem avançando ou um fenômeno que faz parte da evolução do sistema de transmissão, de comunicação. A relação entre o espaço e o tempo é permanente dentro da fotografia. Vai aumentar ou diminuir conforme esta evolução. A educação do olhar é que não pode mudar num fotógrafo. O olho é que faz a diferença. Isso é importante e é um exercício. Eu diria que todo mundo tem um potencial fotográfico. A própria natureza nos ensina isso. A íris é um diafragma e instintivamente todo mundo tem como resgatar esta memória visual. E o fotógrafo tem que ter aguçado todos os sentidos. A técnica e o suporte são um mero detalhe. A melhor definição de fotografia para mim é de um profissional chamado José Medeiros, já falecido, que é a seguinte:
"Fotografia é aquilo que vemos. Porém, aquilo que vemos depende de quem somos".


Fonte:http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=11

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